Vou de férias no dia 7 e volto na última semana de Agosto. Antes de partir ainda tenho tanto, tanto trabalho para fazer e tantas coisas para deixar entregues e fechadas, que vou-me desligar do blog até ao fim do mês. Deixo aqui um poema de Sophia de que gosto muito e tem tudo a ver com a vida nos dias e noites de Verão. Boas férias para quem está de férias e até à volta!
OS DIAS DE VERÃO
Os dias de verão vastos como um reino
Cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é o nosso corpo
Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é o nosso corpo
O destino torna-se próximo e legível
Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem
Como se em tudo aflorasse eternidade
Justa é a forma do nosso corpo
Sophia de Mello Breyner Andresen
in Obra Poética, Volume III
...
Então o mistério das coisas estremece
E o desconhecido cresce
Como uma flor vermelha.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in Obra Poética, Volume I
Maria Andresen de Sousa Tavares, professora universitária de Literatura e autora de vários livros de poesia, filha de Sophia de Mello Breyner Andresen e de Francisco Sousa Tavares deu uma bela entrevista ao Expresso. Maria passou os últimos dois anos a organizar o espólio da mãe antes de ser doado pela família à Biblioteca Nacional. Foram anos de muito trabalho e emoção, pois havia nos 87 caixotes que continham o espólio de Sophia muitos escritos, diários, cadernos, fotos e poemas inéditos.
Na próxima terça-feira é lançada a "Obra Poética" de Sophia, num único volume que reúne toda a sua poesia. Já mostrei aqui o livro no dia em que me cruzei com a Maria (ainda somos cunhadas, pois há laços que nunca se desfazem e este é um deles) num fim te tarde marcado por encontros felizes.
http://laurindaalves.blogs.sapo.pt/405268.html
Gostei muito da entrevista da Maria e da maneira como ela fala das suas memórias, das recordações de família, dos episódios marcantes, do amor entre o pai e a mãe, enfim de tudo o que conta e da beleza e da verdade que transmite ao longo das páginas. Recomendo a leitura desta entrevista na revista do Expresso e, claro, do livro que vai sair já na próxima semana.
Adoro observar as mãos e os gestos dos outros, e fascinam-me particularmente as mãos dos artistas e escritores. Ontem encontrei por acaso o arquitecto Eduardo Souto Moura perto de minha casa. Estava sentado a fumar o seu cigarro de fim de tarde, antes de ir para a cerimónia de homenagem que um grupo alargado de arquitectos e personalidades mais ou menos públicas decidiu prestar a Nuno Teotónio Pereira. Sentei-me com ele à conversa um quarto de hora, tempo mais que suficiente para o ouvir dar as suas gargalhadas e contar algumas pequenas histórias.
Perguntei-lhe se podia fotografar as suas mãos e ele disse que sim, sem nenhuma hesitação e confessou-me que também tem fascínio pelas mãos dos outros. Achei graça ao facto de ele desenhar a sua própria agenda mensal num caderninho preto igual aos que Le Corbusier usava no bolso do casaco. Souto Moura usa-o no bolso de trás das calças, coisa que lha dá um ar boyish.
Contou-me coisas sobre a sua mãe, que tem noventa anos, e a avaliar pelas histórias do filho conserva uma lucidez e um sentido de humor invulgares. Despedi-me e desci para o Chiado a correr porque eu própria tinha onde estar às 7h da tarde. Mais à frente encontrei grande parte da minha antiga família, todas as cunhadas e cunhado (estes são os laços que nunca se desfazem), com a surpresa feliz de terem acabado de receber o primeiro exemplar do maravilhoso volume da Obra Poética de Sophia que está prestes a ser lançado. Uma beleza! Adoro estes encontros felizes e estas surpresas inesperadas e comoventes.
... e a voz do mar encheu o céu e a terra
Uma voz que está cheia e que se quebra
E nunca mais acaba.
fragmento do poema Tu Dormes, de Sophia, in Obra Poética Volume I
Em tempo de sol e praia, numa semana em que uns já partiram para férias mas outros continuam a trabalhar com a miragem de uns dias bem passados mais à frente, deixo aqui um excerto do texto As Grutas, de Sophia. Adoro este texto e conheço bem algumas destas grutas.
Um fio invisível de deslumbrado espanto me guia de gruta em gruta. Eis o mar e a luz vistos por dentro. Terror de penetrar na habitação secreta da beleza, terror de ver o que nem em sonhos eu ousara ver, terror de olhar de frente as imagens mais interiores a mim do que o meu próprio pensamento. Deslizam os meus ombros cercados de água e plantas roxas. Atravesso gargantas de pedra e a arquitectura do labirinto paira roída sobre o verde. Colunas de sombra e luz suportam céu e terra. As anémonas rodeiam a grande sala de água onde os meus dedos tocam a areia rosada do fundo. E abro bem os olhos no silêncio líquido e verde onde rápidos, rápidos fogem de mim os peixes. (...) Esta manhã é igual ao princípio do mundo e aqui eu venho ver o que jamais se viu. O meu olhar tornou-se liso como um vidro. Sirvo para que as coisas se vejam.
Sophia numa versão 'rapariga de bronze', de queixo levantado a olhar sobre a cidade, com rio ao fundo, esculpida pelas mãos do mestre António Duarte. Eis a homenagem que a CML presta à escritora no dia dos cinco anos da sua morte.
Há precisamente cinco anos este lugar estava cheio de gente a despedir-se de Sophia. Hoje o Largo da Igreja da Graça foi baptizado com o nome de Sophia e foi ali colocado o seu busto de bronze e um poema que escreveu sobre Lisboa. O poema ficou inscrito numa parede muito bonita e cinematográfica.
Os filhos de Sophia estiveram todos presentes. São cinco e estiveram ao lado do Miguel enquanto ele leu o poema da mãe, de costas para o Miradouro da Graça. Conhecendo a luz e a poesia de Sophia não podia haver melhor lugar para ela.
Revejo Sophia no documentário que passou na RTP2 para celebrar
os 35 anos do 25 de Abril e volto a ouvir a sua voz. Ouço o que dizem
os outros sobre a sua poesia e a sua vida. Rio com as gargalhadas
que algumas das suas histórias ainda provocam nos filhos e netos,
e recordo um e outro poema citado em alto, de cor, por Manuel Alegre.
É noite e dou comigo a repetir a música e a métrica das suas palavras...
Noite de folha em folha murmurada,
Branca de mil silêncios, negra de astros,
Com desertos de sombra e luar, dança
Imperceptível em gestos quietos
Hoje deixo aqui duas fotografias que tirei no alto do terraço
de um hotel em Oliveira de Azeméis ao fim da tarde por me
dizerem muito sobre muitas coisas e também por servirem
de imagem a um poema de Sophia de que gosto há muito..
Com o fogo do céu a calma cai
No muro branco as sombras são direitas
A luz persegue cada coisa até
Ao mais extremo limite do visível
Ouvem-se mais as cigarras do que o mar
Afinal deixo aqui uma terceira fotografia por ter registado o
momento que, de alguma forma, me fez recordar o poema
de Sophia. Trata-se de um encontro ao fim da tarde com 2
jornalistas (a Patrícia Santos à esquerda, do jornal Correio
de Azeméis, e a Anabela Carvalho do jornal Labor.pt) em
que eu e o Rui Marques falámos daquilo que nos move e
nos faz percorrer o país de norte a sul em campanha pelo
MEP. Foi um fim de tarde de uma calma extraordinária em
que nos sentimos gratos por estar ali àquela hora, com um
horizonte amplo e a luz da tarde, numa conversa demorada
mas também muito descontraída. Aproveito para agradecer
à Patrícia e à Anabela a abertura mas, acima de tudo, a sua
capacidade de ouvir e conversar. Depois de uma sucessão
de dias acelerados, de muita estrada, muito pó e muito sol
foi bom aterrar aqui neste terraço de vidros através dos quais
podemos ir tranquilamente ao mais extremo limite do visível..
E porque hoje também é dia de celebrar a vida de uma outra
amiga que faz 33 anos, deixo aqui a imagem de alguém que
me é muito querido, a olhar para o infinito do céu com toda a
força de quem é capaz de fazer perguntas que jamais terão a
resposta que procuramos.Também ela se interrogou sobre a
doença da mãe, que felizmente agora está curada. E também
nós nos interrogamos sobre a vida e a morte nos momentos
em que a celebramos ou choramos. Hoje é dia de lágrimas e
risos, de agradecer e de rezar, de aceitar a vida tal como ela é.
Deixo aqui um poema de Sophia porque me parece apropriado.
Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
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