Às vezes somos o que somos
Às vezes somos quem fomos
Mas às vezes tantas vezes
Fomos
Aquilo que nunca somos
Somos e fomos por um dia
E às vezes por fantasia
Se perturba tanto, ser ...
Querendo ser o que somos
E aquilo que nunca fomos
Fomos tudo
Somos nada
Fomos aquilo que somos
E às vezes e quantas vezes
Tantas vezes a dizer
Nunca sabemos quem fomos
E nunca soubemos ser
in Poemas com Sabor a Sol a Sal e A-mar, Isabel R. Monteiro, Edições Esgotadas
Deixo aqui um fragmento de um poema de Isabel R.Monteiro, do seu livro Mãe Sem Fronteiras, para falar do lançamento do novo livro de poesia amanhã, pelas 18h, no Museu da Música (estação de Metro Alto dos Moinhos). Gosto muito da simplicidade, emoção e depuração da escrita de Isabel R. Monteiro e a universalidade da sua poesia diz-me muito. Embora não a conheça pessoalmente, gostava de não faltar a este lançamento. O Mário Zambujal vai apresentar o novo livro, que tem um título sugestivo: Poemas com sabor a sol, a sal, A-mar.
Impressionante a quantidade de gente que se juntou ontem à volta do Mia Couto, apesar da chuva e do frio, para o ouvir falar do seu novo livro, para conversar com ele e ter mais um autógrafo. Comecei a ler o livro e já estou adiantada, mas já em fase de poupar páginas. Acontece-me sempre que leio um livro muito bom. Começo a demorar, para a leitura durar mais tempo. É uma espécie de batota que todos os leitores fazem com os seus autores preferidos. Com o Brodsky foi sempre assim: os livros pousados antes de chegar ao fim, para esticar o tempo e ter a ilusão de perpetuar a narrativa. A Confissão da Leoa é, como disse José Eduardo Agualusa, um livro inaugural, um livro radical, uma nova maneira de o Mia contar uma história. Desta vez ele parte de uma narrativa duríssima, de uma realidade brutal mas que parece irreal: em 4 meses 26 pessoas de uma povoação moçambicana foram devoradas por leões e é sobre este acontecimento que o autor recria uma história, um livro trespassado de dor e humanidade, mas também de surpresa e mistério. Não vale a pena escrever muito mais, porque tudo o que eu possa dizer fica aquém, muito aquém, e nem sequer faz justiça ao livro nem ao autor. Se puderem, leiam, é muito bom.
"Um acontecimento real - as sucessivas mortes de pessoas provocadas por ataques de leões numa remota região do norte de Moçambique - é pretexto para Mia Couto escrever um supreendente romance. Não tanto sobre leões e caçadas, mas sobre homens e mulheres vivendo em condições extremas. Como afirma um dos personagens, 'aqui não há polícia, não há governo, e mesmo Deus só há às vezes"
Fui à estreia da peça A Controvérsia de Valladolid, de Jean-Claude Carrière, no Teatro São Luiz. Carrière escreveu um texto belíssimo, profundo e intemporal, Carlos Paulo traduziu e João Mota encenou. O resultado é um diálogo extraordinário entre várias personagens, numa espécie de julgamento, em que todos os actores representam de forma magistral. O diálogo histórico entre o filósofo Sepúlveda (Virgílio Castelo) e Frei Bartolomeu de las Casas (António Paulo) sobre o poder de decidir sobre a vida dos outros, sobre os povos conquistados e colonizados, sobre as atrocidades cometidas, enfim sobre a condição humana, é memorável e fica a fazer eco em nós. Pela complexidade, mas também pelas questões que levanta e pela actualidade destas mesmas questões.
No fim as pessoas aplaudiram de pé e depois houve a tradicional celebração de estreia com champagne e morangos no Jardim de Inverno, que é um espaço de enorme beleza, também muito poético. Nesta polaroid o Virgílio Castelo conversa com o pintor Diogo Guerra Pinto sobre a substância do tema e o papel de cada um. Esta peça é também uma forma de celebrar o 40º aniversário da Comuna - Teatro de Pesquisa, comemoração à qual o Teatro São Luiz se associou na estreia de um "texto fundamental sobre os abismos que se abrem entre nós e o outro", como vem escrito no convite e catálogo.
Não resisto a dar mais uma vez os parabéns aos actores e a todos os que se envolveram na produção d'A Controvérsia de Valladolid. É um texto denso que exige uma representação ao nível, mas todos estão à altura. Vale a pena ver, vai estar em cena até dia 6 de Maio.
Não resisto a publicar esta fotografia no blog, depois de ter pedido autorização aos pais do B, porque não resisto ao ar sonhador nem à beleza deste miúdo. É ainda mais bonito do que está na fotografia e é o filho do meio de dois amigos muito queridos. A hora de dormir, depois do caos dos banhos e jantares, é sempre um momento de intimidade para pais e filhos. Tenho saudades desses tempos, confesso. O tempo é uma vertigem e se bem que todas as idades tenham o seu fascínio, os primeiros anos de um filho são inesquecíveis. Há um par de dias, quando publiquei um post sobre ler e escrever, disse aqui que voltava ao tema para deixar um fragmento de um dos meus livros de cabeceira, que me faz rir e me comove sempre que o leio ou releio (e é sempre como se fosse a primeira vez, é impressionante). Falo d'O Velho Que Lia Romances de Amor, de Luís Sepúlveda, que tive o prazer e o privilégio de conhecer em casa, e com quem passámos um serão memorável. Aqui fica, com a imagem infinitamente terna do B e os meus votos mais que sinceros de um bom fim de semana!
(...) António José Bolivar sabia ler, mas não escrever.
O mais que conseguia era garatujar o nome quando tinha de assinar qualquer papel oficial, por exemlo, na época das eleições, mas, como tais acontecimentos ocorriam muito esporadicamente, já quase se tinha esquecido.
Lia lentamente, juntando as sílabas, murmurando-as a meia voz como se as saboreasse, e, quando tinha a palavra inteira dominada, repetia-a de uma só vez. Depois fazia o mesmo com a frase completa, e dessa maneira se apropriava dos sentimentos e ideias plasmados nas páginas.
Quando havia uma passagem que lhe agradava especialmente, repetia-a muitas vezes, todas as que achasse necessárias para descobrir como a linguagem humana também podia ser bela.
Lia com o auxílio de uma lupa, o segundo dos seus pertences mais queridos. O primeiro era a dentadura postiça.
Vivia numa choça feita de canas de uns dez metros quadrados dentro dos quais arrumava o seu escasso mobiliário: a rede de dormir de juta, o caixote de cerveja com o fogão a querosene em cima, e uma mesa alta, muito alta, porque quando sentiu pela primeira vez dores nas costas, percebeu que os anos lhe estavam a carregar e decidiu sentar-se o menos possível.
Construiu então a mesa de pernas compridas, que lhe servia para comer de pé e para ler os seus romances de amor (...)
Grande pinta! Mais um prémio mais que merecido para
o Mia Couto. O António Brazão fez bem e sublinhar este
facto, pois ainda não tinha tido tempo de falar do Prémio
Eduardo Lourenço aqui no blog. Fica feita a referência e
ficam os meus sinceros parabéns ao Mia. Adoro os seus
livros, a sua originalidade escrita e falada, e não me
canso de o ler nem de o ouvir falar. Gosto muito de ser
sua amiga e gosto ser sua contemporânea. Um duplo luxo!
Deixa que a respiração profunda
do teu Ser aconteça. Só isso. Não
interrogues, nem busques. Deixa
que seja Deus a procurar-te. Não
caminhes. Ele virá ao teu encontro.
Não procures contemplar. Permite,
antes, que Deus te contemple. Não
rezes. Deixa que, em silêncio, Ele
reze o que tu és.
in Um Deus que Dança, José Tolentino Mendonça
O Tesouro Escondido, o novo livro de Tolentino de Mendonça, está em primeiro lugar no top de vendas de algumas livrarias de referência. Grande pinta. Tenho-o à cabeceira e confesso que demoro a ler cada página, pois cada parágrafo é em si mesmo um tesouro. Deixo aqui algumas frases, mais ou menos avulsas, que dão que pensar. Gosto do silêncio e quem me conhece ou acompanha sabe que o cultivo em Exercícios Espirituais e não só. Talvez por isso tenha escolhido estes fragmentos:
Uma árvore é uma semente que cresce devagar e em silêncio.
Ama o silêncio acima de todas as coisas; ele concede-te um fruto que à língua é impossível descrever... Dentro do nosso silêncio nasce alguma coisa que nos atrai ao silêncio.
Os nossos sentidos espirituais abrem-se e maturam melhor no silêncio.
Fui ao lançamento do novo livro de Tolentino Mendonça, que esta tarde foi apresentado como "poeta, sacerdote e professor", por esta ordem. Trata-se de mais um livro original, simples e profundo em que Tolentino fala do tesouro que existe em cada um de nós e da arte da procura interior, em busca desse mesmo tesouro. Monge guerreiro, foi como chamou a Tolentino um dos 'prefaciadores' orais desta tarde. Disse que este livro revela os fundamentos da "ideologia tolentina", no sentido de fazer pontes entre cépticos ou duvidosos e crentes. Comecei a lê-lo ainda na FNAC, enquanto esperava a minha vez na fila dos autógrafos. Aconselho-o a todos os que gostam de desafios intelectuais, estímulos existenciais e rigores éticos.
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