Uso este pôr-do-sol sobre um horizonte líquido por ser uma imagem próxima da que está na capa do livro publicado há dois anos pela Isabel Barata e pelo Manuel Matos. Unidos no Amor, Contra a Indiferença é o título do testemunho poderoso e transformador do amor que a Isa e o Manuel viveram. Falo no passado, mas devia falar no presente pois o amor não termina com a morte, muito pelo contrário. O Manuel permanece muito vivo no coração da Isabel e no daqueles que o amaram e foram amados por ele. E é também para celebrar este grande amor que amanhã nos juntamos à volta da Isa na Casa do Concelho de Tondela, pelas 15h, (Av. Miguel Torga, lote 21-a Lj, em Campolide, telef 213 830 599) para uma apresentação do livro, no seu segundo aniversário. Conheci a Isa Barata no Curso de Comunicação da LeYa e como desta turma de alunos saiu um grande grupo de amigos, amanhã lá estaremos a dar-lhe apoio. Quem quiser juntar-se a nós é muito bem vindo e quem quiser contactar a Isa Barata ou comprar este livro, pode usar o seu mail: isabarata36@hotmail.com.
Tirei um dia inteiro para ler este livro sem interrupções e li-o, da primeira à última página, sem fazer pausas. Trata-se de um livro-testemunho, que afinal é muito mais do que isso. É um hino ao amor, uma narrativa a quatro mãos sobre os verdadeiros encontros na vida. Escrito por Isabel Barata e Manuel Matos depois de se terem conhecido e apaixonado, este livro prende do princípio ao fim. Não se consegue pôr de lado, tal é a verdade e a profundidade a que vamos com cada um dos autores. Manuel, o amor da vida de Isabel, morreu a 27 de Maio de 2009, a menos de 2 meses de completar 55 anos. Era licenciado em Germânicas, foi professor do Ensino Secundário, escreveu contos e poesia, dirigiu uma revista e foi co-fundador da APN - Associação Portuguesa de Doentes Neuromusculares. Isabel, o amor da vida de Manuel, faz este mês 43 anos, licenciou-se em Economia, trabalhou na área Administrativa e Financeira, fez voluntariado e hoje em dia dedica o seu tempo às questões de Desenvolvimento Pessoal. Um e outro viveram realidades duras e a sua história é uma sucessão de desafios e adversidades. Ou seja, de grandes conquistas.
O amor entre a Isabel e o Manuel transformou as suas vidas e este livro que escreveram juntos transforma o nosso olhar. Não se trata de uma obra romântica e muito menos de um olhar romantizado sobre a realidade das pessoas que vivem condicionadas por uma doença grave ou handicaps físicos. Muito pelo contrário, é uma narrativa muito realista de uma mulher que sofre de Osteogénese Imperfeita e um homem que vai perdendo faculdades e movimentos devido a uma doença degenerativa e progressiva a nível muscular. Melhor do que eu, fala cada um dos autores:
Manuel
Fui assistindo paulatinamente (às vezes, em acessos violentos e mudos) à minha própria 'desconstrução'. Não é confortável, isto de uma pessoa assistir ao desagregamento do seu puzzle; é muito perturbador um ser normalmente inteligente manter-se confrontado com a consciência desse desagregamento.
Sou um ser humano vulgaríssimo. Rendi-me vezes sem conta às emoções. Sofri a brutalidade de um desastre que não sofri, mas que se foi desdobrando no curso da minha existência. Em algumas (não poucas) ocasiões, deixei-me cair, como diria Pessoa, de mim abaixo, quer dizer, cheguei à certeza de que o único objectivo para a minha vida era a minha morte.
Jamais poderei abraçar, com os braços, o meu Amor, sei isso sem ter necessidade que ninguém mo diga. Não serei nunca o apoio (estereótipo) físico da mulher que amo. Mas porventura não haverá outras dimensões do abraço, porventura não haverá outras dimensões do conceito de apoio? (...) Com certeza que há.
A crença de que um dia havia de chegar em que eu amaria e seria amado, ou seja, a fé no poder desse sentimento que dá Sol à Vida e mil vidas ao Sol, defendeu-me sempre de mim mesmo, encorajando-me a continuar, segredando-me que a desesperante solidão de hoje tinha pelo menos 50% de probabilidades de não se repetir amanhã - não importava a eventual eternidade que 'amanhã' contivesse. Esse dia chegou em finais de 2005.(...) Esse foi, sem qualquer dúvida, o Momento da minha vida.
"Desvivi" até aos 50 anos, quando pela primeira vez ouvi alguém dizer (a Isabel, pois claro) gosto de ti, sem acrescentar apesar de seres como és.
Isabel
Para começar, quero dizer que não é o facto de se ser ou não deficiente que influencia, que potencia, a forma de amar ou ser amado. (...) ser ou não ser deficiente não faz qualquer diferença.
Não podemos negar que há obstáculos circunstanciais (a nível físico, mental ou sensorial) na vivência amorosa das pessoas com deficiência, mas um obstáculo não é mais do que algo que pode ser contornado. (...) Quando há amor, os obstáculos passam a ser desafios.
O meu professor de meditação, Ishi, disse-me várias vezes, quando passei por uma fase de apatia e ausência de energia vital, que o único erro que para ele era imperdoável, era o de desperdiçar tempo.
Podia continuar o enunciado de citações, mas o livro é tão rico em pensamentos, partilhas e vivências que aconselho vivamente a sua leitura. Foi publicado pela editora Quidnovi e está à venda nas livrarias. Deixo aqui o links para um site em que a Isabel tem uma presença muito expressiva e onde pode ser contactada: www.gulliver.pt Se não encontrarem o livro nas livrarias, perguntem à Isabel onde o podem encomendar, que ela diz. Eu tive que fazer o mesmo e embora não a conheça pessoalmente (ainda), foi um processo muito rápido.
O Salvador Mendes de Almeida recomeçou a sua série de programas na RTP1 e tudo o que possamos dizer sobre estas suas entrevistas é pouco, comparado com o muito que ele e cada um dos seus entrevistados contribuem para despertar a nossa consciência e transformar o nosso olhar sobre as pessoas ditas deficientes.
Luís Magalhães, historiador e funcionário da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, onde faz um trabalho directamente ligado aos direitos das pessoas portadoras de deficiência, foi o convidado desta noite. Alegre e incisivo, Luís Magalhães disse que muito pior do que as barreiras arquitectónicas são os estigmas que permanecem na sociedade. Percebo-o, pois também eu começo por abominar a palavra 'deficientes' e tudo o que ela implica.
O Salvador está em grande forma e é impressionante ver como tem evoluído ao longo destas séries de programas. Está muito mais fluente e tem uma postura ainda mais alegre e tranquila. Eu, que conheço bem as suas rotinas diárias e o seu grau de dependência, não canso de me espantar com a sua capacidade de fazer das fraquezas, forças. Graças a ele e a cada um dos seus entrevistados, estamos hoje muito mais conscientes das dificuldades reais das pessoas que vivem condicionadas por handicaps físicos ou outros. Embora nenhum programa de televisão chegue para mostrar toda a realidade de sofrimento, dor e superação que vivem os milhares e milhares de famílias que são tocadas pela doença e/ou deficiência, é importante que a série Salvador passe em horário nobre, para que todos possamos ter uma noção mais aproximada do que é ser diferente num mundo tantas vezes hostil para acolher essa mesma diferença. Percebo que o Salvador se centre nos casos de 'sucesso', pois todos precisamos de role models. Acredito profundamente que ao revelar pessoas com deficiências graves que conseguem transcender-se, o Salvador está a contribuir para dar forças aos que tantas vezes se sentem à beira da desistência. Sejam deficientes ou não, quero dizer.
Ainda estou a digerir o que vi e ouvi na Grande Entrevista desta noite. De um lado da mesa Francisco Guerra, 25 anos, ex-aluno da Casa Pia vítima de abusos sexuais entre os 12 e os 16 anos, a dar um testemunho de grande coragem num tom sempre firme e tranquilo; do outro lado Judite de Sousa a fazer perguntas sem se deter na substância de algumas respostas, sempre num tom seco e duro. Confesso que esta dureza e esta secura me deixaram desconfortável e perplexa, até porque a Judite facilmente se desfaz em sorrisos com outros entrevistados (alguns deles, políticos). Estranho o registo inquisidor com que entrevistou o Francisco Guerra, sabendo o que ele passou na adolescência, o que terá sofrido na altura, e o que foi obrigado a calar durante anos, até sentir a coragem de dar a cara e assumir todo esse passado. A mim, o Francisco provoca-me admiração e ternura, mas também me interpela a níveis muito profundos quando fala de questões tão delicadas como o abandono, a ausência de uma família, os sentimentos que nutre por Carlos Silvino, o medo da solidão, as saudades dos 'irmãos', a tentativa de suicídio e até o uso assumido de fraldas na idade adulta.
Estranhamente a Judite de Sousa não agradeceu o elogio que o Francisco Guerra lhe fez em directo, nem pareceu particularmente impressionada com a coragem e a assurance com que o Francisco foi respondendo mesmo às perguntas mais difíceis. Algumas destas perguntas eram escusadas, devo dizer. Outras curiosamente ficaram por fazer. Também não percebi porquê. Não me faz sentido que a Judite aproveite uma primeira grande entrevista com o Francisco Guerra para perguntar coisas tão absurdas como : "Porquê a casa em Elvas?". Sem quebrar nem se revoltar, o Francisco deu a única resposta possível: "Não fui eu que escolhi, terá que perguntar a quem nos levava lá". Fez falta um olhar de compaixão de Judite de Sousa, uma pose menos gelada, um registo menos glacial. Raramente uso aqui o verbo 'detestar', mas desta vez não posso deixar de o usar: detestei as partes da entrevista que foram feitas em tom de interrogatório. A Judite de Sousa é jornalista, não é juíz. E é mãe.
Voltando ao Francisco e à sua extraordinária performance televisiva, dou-lhe os meus parabéns pela clareza discursiva, pela delicadeza com que falou (e calou), pela forma directa e inteligente como explicou o essencial e evoluiu num meio que não é o dele, pela ausência de agressividade mesmo quando do outro lado sentiu hostilidade, pela coragem incrível (insisto!) com que se apresenta e encara o mundo. Todos sabemos que ser vítima de abusos sexuais é um estigma para a vida inteira (para não falar das marcas e do sofrimento pela vida fora) mas o Francisco é a prova de que é possível assumir os factos sem perder a dignidade e sem perder o olhar limpo (triste, mas limpo). Fico a dever ao Francisco Guerra uma consciência ainda mais desperta para estas matérias, mas acima de tudo uma consciência mais aguda de que a verdade é que salva e constrói.
Observo os passos das pessoas na plataforma do Metro, à minha frente, e dou-me conta de que habitualmente nem eu nem os outros perdemos um segundo a pensar naqueles que estão impedidos de caminhar. Mais, nenhum de nós se apercebe do extraordinário que é andar livremente por onde nos apetece, sem termos problemas de locomoção.
Hoje estou mais centrada nesta questão porque é o dia em que vou apresentar o novo livro do Salvador Mendes de Almeida e vou estar rodeada de pessoas que se deslocam em cadeiras de rodas. Pessoas que vivem sentadas ou deitadas, mas nunca de pé e, acima de tudo, sem nunca poderem andar pelo seu próprio pé. Algumas destas pessoas tiveram acidentes na adolescência ou já na idade adulta e outras nasceram com handicaps que não lhes permitem deslocar-se sem ajudas.
Nós, os que não temos quaisquer problemas de mobilidade e facilmente andamos daqui para ali, chegando a todo o lado, não temos verdadeira consciência da quantidade de obstáculos e barreiras arquitectónicas que outros têm que enfrentar dia após dia, ano após ano. É impressionante ver como o mundo é hostil para quem tem handicaps físicos ou outros. E é admirável conhecer estas pessoas que lidam diariamente com a adversidade e não perdem a força, a coragem, o sentido de vida e até a alegria. O Salvador é uma destas pessoas, mas não é o único. Ao seu lado vão estar quase todos os protagonistas da sua série de televisão, mais um círculo alargado de amigos que o acompanham nas suas actividades. Esta imensa legião de gente mais ou menos anónima que se transcende todos os dias, todas as horas, é uma fonte de inspiração e devia ser um motor de transformação para todos e cada um de nós. É impossível ficarmos indiferentes aos seus testemunhos e é impossível não darmos ainda mais valor àquilo que damos como adquirido nas nossas vidas. Falo de coisas e gestos tão simples como os passos que damos sem pensar que os estamos a dar. E não só.
Não há palavras para acrescentar a todas as que já se disseram e ouviram hoje a propósito do resgate dos mineiros chilenos. Maravilha!
Bonito mas difícil, este Outono... Só ouvimos más notícias sobre a necessidade de medidas duras, o aumento do desemprego e o espectro de uma recessão em 2011. Nada fácil, mesmo. Todos sentimos na pele os efeitos da crise mundial e dos desperdícios decorrentes da má gestão de alguns políticos e governos. Falo por mim, que não sou excepção e tal como a esmagadora maioria das pessoas, também trabalho o triplo para ganhar metade. Não me queixo, apenas enuncio factos com a consciência de que apesar de tudo posso trabalhar. Mas já estive desempregada longos meses e sei como essa realidade pode ser dolorosa. Os tempos que correm são adversos e é nestas alturas que olho à minha volta e tento focar naquilo que é positivo, na beleza das pessoas, das coisas e dos lugares.
Podemos olhar de muitas maneiras para as mesmas coisas. Para uns o Outono e as folhas caídas são realidades tristes ou demasiado nostálgicas; para outros representam um tempo de recolhimento e introspecção, mas para outros é a altura dos grandes recomeços. Aprendo a recomeçar todos os dias com amigos como o Salvador e o Bento, que me ensinam a dar valor ao que temos e a não pensar demais naquilo que não podemos ter. Ou que deixámos de ter. Ambos sofreram acidentes graves que os deixaram em cadeiras de rodas, dependentes de quase todos para quase tudo, mas nem um nem outro (nem uma imensa legião de pessoas como eles!) desistiram de acreditar em si mesmos de de fazer o bem. Um e outro transformam o olhar de quem os conhece e acompanha, e agora que o novo livro do Salvador Mendes de Almeida está quase pronto e conta a história das 12 pessoas que entrevistou ao longo dos seus programas, dou-me conta do tempo e da energia que tantas vezes desperdiçamos a pensar em questões menores e em dramas que afinal são relativos...
Leio apaixonadamente os livros de Alexandre Jollien, filósofo suíço, que nasceu com handicaps múltiplos por ter sido quase estrangulado pelo cordão umbilical, que se enrolou à volta do pescoço. Alexandre Jollien é um homem fascinante e absolutamente invulgar. Pela força, pela lucidez, pela inteligência viva e sentido crítico, e ainda pela coragem e desassombro com que fala e enfrenta o olhar dos outros. Como ele próprio diz, o seu andar e os seus movimentos são estranhos, hesitantes, 'chaloupés', mas não é essa estranheza visível que o define e, muito menos, que o determina. Alexandre Jollien é hoje em dia uma espécie de representante (ou porta-voz) de todos os deficientes europeus, e corre mundo a dar conferências ou a participar em debates sobre questões ligadas à deficiência, mas também à Filosofia, que é a sua ciência. Comprei dois livros dele na Suíça, e trouxe também um vídeo onde ele dá testemunho da sua vida e enuncia de forma simples e eloquente alguns dos seus mestres na Filosofia. Alexandre Jollien fala sem discursos convenientes e anda quase como um peregrino dos tempos modernos, de cidade em cidade, a despertar a consciência e a levantar questões sem a tentação de lhes dar respostas. Li primeiro Le Métier d'Homme, que aconselho vivamente. Estou agora a ler Le Philosophe Nu, livro de cuja existência soube através do Jacques A., um médico suíço amigo, com critérios literários elevados e uma filosofia de vida igualmente afinada e interessante. Foi bom ter ido à Suíça na semana passada. Por tudo e também por esta descoberta tão interpeladora que é o Alexandre Jollien, filósofo de 35 anos que fala e escreve como os grandes sábios.
Um post dedicado a todos os pais e mães com filhos hospitalizados que vivem à sua cabeceira. Tenho dois casais de amigos que conhecem bem esta realidade. Uns viveram este calvário ao longo de muitos meses sem conseguir que o filho voltasse para casa; outros estão quase a levar o seu bebé querido com eles mas todos têm sido monumentos de coragem, força e alegria. Impressiona sempre ver alguém fazer das suas fraquezas, forças. Quando estamos próximos do coração destas pessoas e conhecemos os contornos da sua realidade, ficamos não só impressionados como também gratos pela inspiração e capacidade de transformação. Deles e nossa, quero dizer. É impossível não nos sentirmos interpelados e é impossível não passarmos a relativizar muitas coisas no nosso quotidiano. Para além de dedicar este post às famílias e amigos, quero deixar umas palavras de reconhecimento e gratidão aos profissionais de saúde que também estão à cabeceira, com uma dedicação e um amor igualmente transformador. Há pessoas incríveis!
Acordamos e adormecemos um dia atrás do outro com as notícias dos mineiros chilenos que sobrevivem num espaço exíguo e escuro, a 700m de profundidade, sem a certeza de voltarem a ver a luz do dia, mas na esperança de conseguirem vencer estes meses que nos separam do Natal, altura em que se tudo correr bem poderão voltar à superfície. Os relatos desta sobrevivência diária, com as descrições das rotinas que se impõem, mais as ajudas que dão e recebem uns dos outros, são comoventes e uma verdadeira lição de coragem e esperança. Este fim-de-semana o padre Rosa, que celebrou a missa campal na Balaia, rezou expressamente pelos mineiros e todos ficámos ainda mais próximos (em espírito) destes homens valentes que recusam baixar os braços ou deixar-se vencer. É impressionante tudo o que sabemos e tudo o que vemos através das suas famílias e amigos. Olho para esta fotografia simples de uma rua com passeio e árvores, e penso quanto não dariam aqueles homens para voltarem a estar num lugar tão banal e ao mesmo tempo tão especial como uma rua com ar fresco, sol e sombras...
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