Domingo, 14 de Setembro de 2008
A mão, os objectos, a janela e a poesia de Sophia

 

 

 

E porque estou em maré de falar de mulheres sem medida, sem tempo nem idade, não resisto a deixar aqui hoje uns versos d'O Poema de Sophia que me comovem particularmente. Por tudo o que ficou vivido e por tudo o que ficou gravado no meu coração. E aqui fica também uma imagem muito forte e, para mim, muito nostálgica do tempo passado a fumar e a escrever na sua mesa de madeira, encostada à janela que dava sobre o jardim e o cipreste alto.

 

O poema me levará no tempo

Quando eu não for a habitação do tempo

E passarei sozinha

Entre as mãos de quem lê

 

O poema alguém o dirá

Às searas

 

Sua passagem se confundirá

Com o rumor do mar com o passar do vento

 

O poema habitará

O espaço mais concreto e mais atento

 

No ar claro nas tardes transparentes

Suas sílabas redondas

 

(Ó antigas ó longas

Eternas tardes lisas)

 

Mesmo que eu morra o poema encontrará

Uma praia onde quebrar as suas ondas

 

E entre quatro paredes densas

De funda e devorada solidão

Alguém seu próprio ser confundirá

Com o poema no tempo

 

(De Livro Sexto) 

 

 

 

publicado por Laurinda Alves às 13:04
link do post | comentar | ver comentários (5) | favorito
Quinta-feira, 28 de Agosto de 2008
Neste reino de silêncio, luz e pedra

 

 

Nestes últimos tempos os peixes, as grutas e o mar têm estado muito presentes na minha vida. Por coincidência ou não o meu filho pediu-me ontem para ir com ele ao Oceanário, coisa que ambos adoramos fazer. Lá fomos. O filme de uma tarde na cidade muda radicalmente quando entramos naquele lugar. Os olhos do meu filho também e volta todo o espanto de quando era criança.

 

Comove-me percorrer aquele labirinto negro e azul com ele, segui-lo, parar quando ele para, continuar por onde ele continua, ouvi-lo recordar a noite em que dormiu no escuro com os tubarões na primeira vez em que isso aconteceu no Oceanário.

 

E comovem-me sempre os versos e inscrições de Sophia que ali têm um eco maravilhoso que vai ao mais fundo da memória e ficou gravado no coração. No nosso coração.

    

Mar sonoro

 

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim

A tua beleza aumenta quando estamos sós

E tão fundo intimamente a tua voz

Segue o mais secreto bailar do meu sonho

Que momentos há em que eu suponho

Seres um milagre criado só para mim

 

Sophia de Mello Breyner Andresen 

publicado por Laurinda Alves às 18:21
link do post | comentar | ver comentários (6) | favorito
Quarta-feira, 30 de Julho de 2008
Aconteça o que acontecer, eu hoje estou assim

 

Ao adormecer e ao acordar, esteja onde estiver, sejam as horas que forem, aconteça o que acontecer, eu hoje estou assim. A mesma gratidão, a mesma paz, a mesma consciência do mistério e, por isso, a mesma entrega com uma alegria interior que ontem e hoje, aqui e agora, encontram um eco especial na poesia de Sophia.

 

O sabor do sol e da resina

E uma consciência múltipla e divina    

 

publicado por Laurinda Alves às 01:39
link do post | comentar | ver comentários (20) | favorito
Segunda-feira, 9 de Junho de 2008
Para sempre

 

Quando eu morrer voltarei para buscar

todos os instantes que não vivi junto ao mar. 

 

Aqui e agora os versos de Sophia fazem um eco particular.

 

 

publicado por Laurinda Alves às 19:32
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito
Sábado, 19 de Abril de 2008
Sophia no Público de hoje

 

Hoje vale a pena comprar o Público e guardar o pequeno-grande livro sobre a vida e obra de Sophia de Mello Breyner Andresen. Apesar de ser um resumo muito resumido, contém o essencial porque conta histórias de família, recorda episódios marcantes e tem algumas das melhores fotografias de Sophia.

 

Bem sei que o objectivo de publicar estes cadernos é associar uma escrita impressionista ao maior número de fotografias possível, coisa que torna a biografia muito mais viva e atraente mas compromete fatalmente a qualidade das imagens.

 

Embora o grão das fotografias seja excessivo e se percam detalhes importantes, tudo o que se vê e lê neste caderno biográfico é comovente e eloquente para quem conheceu Sophia em sua casa.

 

Seja quando escrevia, sentada numa secretária improvisada com uma mesa quadrada que encostava à janela da sala aberta sobre o seu jardim e os telhados da Graça com o rio ao fundo (pág.39), sempre com um cigarro aceso numa mão e o bule de chá pousado numa mesinha próxima da secretária; seja quando olhava para a objectiva do fotógrafo com olhos claros e limpos e um certo desafio que ainda hoje se pode medir pelo tamanho do cigarro que lhe arde entre os dedos da mão direita (pág 12), Sophia revela toda a sua alma, a sua 'beleza ética' e também as 'virtudes de raínha' de que fala Agustina.

 

Não querendo repetir o que está dito neste caderno, sublinho que ele mostra a grandeza, a integridade e a humanidade de uma mulher irrepetível que, por ter escrito dos mais belos poemas de sempre, continua a estar muito presente e muito próxima.  

 

Alguém comentou que a minha sugestão 'imperiosa' para ir ver Quidam, o novo espectáculo do Cirque du Soleil é demasiado cara. Pois bem, a minha segunda sugestão do dia é um verdadeiro tesouro e só custa 1 euro e 40 cêntimos.

publicado por Laurinda Alves às 14:39
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito
Terça-feira, 3 de Julho de 2007
Sophia três anos depois
 
Julho foi o mês da morte de Sophia. Três anos depois, os amigos e os devotos prestaram homenagem à sua poesia solar e luminosa, mas também à sua pessoa. Alberto Vaz da Silva, amigo do coração e de toda a vida, organizou no Centro Nacional de Cultura, casa onde Sophia se sentia em casa, um fim de tarde dedicado à sua obra.
Deixo aqui algumas palavras da própria Sophia, ditas no remoto dia 11 de Julho de 1964, quando recebeu o Grande Prémio de Poesia pelo seu Livro Sexto.
 
“Dizer que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida.
Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu, evoluiu sempre dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo. Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, de sequência e de rigor.
E é por isso que a poesia é uma moral. E é por isso que o poeta é levado a buscar a justiça pela própria natureza da sua poesia. E a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética. Vemos que no teatro grego o tema da justiça é a própria respiração das palavras. Diz o coro de Esquilo: “Nenhuma muralha defenderá aquele que, embriagado com a sua riqueza, derruba o altar sagrado da justiça.”. Pois a justiça se confunde com o equilíbrio das coisas, com aquela ordem do mundo onde o poeta quer integrar o seu canto. Confunde-se com aquele amor que, segundo Dante, move o Sol e os outros astros. Confunde-se com a nossa confiança na evolução do homem, confunde-se com a nossa fé no universo. Se em frente do esplendor do mundo nos alegrarmos com paixão, também em frente do sofrimento do mundo nos revoltamos com paixão. Esta lógica é íntima, interior, consequente consigo própria, necessária, fiel a si mesma. O facto de sermos feitos de louvor e protesto testemunha a unidade da nossa consciência”.
 
In Obra poética, volume I, Caminho
 
publicado por Laurinda Alves às 22:25
link do post | comentar | favorito
Domingo, 3 de Junho de 2007
Palavras que fazem eco
 
Muitas palavras deste texto de Sophia fazem eco em mim hoje e, particularmente num tempo lento de observação do real, em que os dias correm cheios de pensamentos e sentimentos graves e fundos. Sublinho apenas algumas.
Relação justa. Espírito de verdade. Consciência. Moral. Equilíbrio. Amor. Canto. Ordem. Fundamental. O Sol e os outros astros. A respiração das palavras. A busca da justiça. O altar sagrado. A fé no universo. A lógica íntima e consequente. A fidelidade a si mesmo. O louvor. O protesto. A paixão.  
publicado por Laurinda Alves às 22:27
link do post | comentar | favorito
.pesquisar
 
.tags

. todas as tags

.posts recentes

. Os dias de Verão e ... at...

. Como uma flor vermelha

. Mãe e filha

. Encontros e surpresas fel...

. O Outono, vivido deste la...

. Um fio invisível de deslu...

. A luz, os lugares e a poe...

. Sophia nos 35 anos do 25 ...

. O fogo, a calma as sombra...

. E porque hoje também é di...

.arquivos
.mais sobre mim
.subscrever feeds