E porque estou em maré de falar de mulheres sem medida, sem tempo nem idade, não resisto a deixar aqui hoje uns versos d'O Poema de Sophia que me comovem particularmente. Por tudo o que ficou vivido e por tudo o que ficou gravado no meu coração. E aqui fica também uma imagem muito forte e, para mim, muito nostálgica do tempo passado a fumar e a escrever na sua mesa de madeira, encostada à janela que dava sobre o jardim e o cipreste alto.
O poema me levará no tempo
Quando eu não for a habitação do tempo
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo
(De Livro Sexto)
Nestes últimos tempos os peixes, as grutas e o mar têm estado muito presentes na minha vida. Por coincidência ou não o meu filho pediu-me ontem para ir com ele ao Oceanário, coisa que ambos adoramos fazer. Lá fomos. O filme de uma tarde na cidade muda radicalmente quando entramos naquele lugar. Os olhos do meu filho também e volta todo o espanto de quando era criança.
Comove-me percorrer aquele labirinto negro e azul com ele, segui-lo, parar quando ele para, continuar por onde ele continua, ouvi-lo recordar a noite em que dormiu no escuro com os tubarões na primeira vez em que isso aconteceu no Oceanário.
E comovem-me sempre os versos e inscrições de Sophia que ali têm um eco maravilhoso que vai ao mais fundo da memória e ficou gravado no coração. No nosso coração.
Mar sonoro
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim
Sophia de Mello Breyner Andresen
Ao adormecer e ao acordar, esteja onde estiver, sejam as horas que forem, aconteça o que acontecer, eu hoje estou assim. A mesma gratidão, a mesma paz, a mesma consciência do mistério e, por isso, a mesma entrega com uma alegria interior que ontem e hoje, aqui e agora, encontram um eco especial na poesia de Sophia.
O sabor do sol e da resina
E uma consciência múltipla e divina
Quando eu morrer voltarei para buscar
todos os instantes que não vivi junto ao mar.
Aqui e agora os versos de Sophia fazem um eco particular.
Hoje vale a pena comprar o Público e guardar o pequeno-grande livro sobre a vida e obra de Sophia de Mello Breyner Andresen. Apesar de ser um resumo muito resumido, contém o essencial porque conta histórias de família, recorda episódios marcantes e tem algumas das melhores fotografias de Sophia.
Bem sei que o objectivo de publicar estes cadernos é associar uma escrita impressionista ao maior número de fotografias possível, coisa que torna a biografia muito mais viva e atraente mas compromete fatalmente a qualidade das imagens.
Embora o grão das fotografias seja excessivo e se percam detalhes importantes, tudo o que se vê e lê neste caderno biográfico é comovente e eloquente para quem conheceu Sophia em sua casa.
Seja quando escrevia, sentada numa secretária improvisada com uma mesa quadrada que encostava à janela da sala aberta sobre o seu jardim e os telhados da Graça com o rio ao fundo (pág.39), sempre com um cigarro aceso numa mão e o bule de chá pousado numa mesinha próxima da secretária; seja quando olhava para a objectiva do fotógrafo com olhos claros e limpos e um certo desafio que ainda hoje se pode medir pelo tamanho do cigarro que lhe arde entre os dedos da mão direita (pág 12), Sophia revela toda a sua alma, a sua 'beleza ética' e também as 'virtudes de raínha' de que fala Agustina.
Não querendo repetir o que está dito neste caderno, sublinho que ele mostra a grandeza, a integridade e a humanidade de uma mulher irrepetível que, por ter escrito dos mais belos poemas de sempre, continua a estar muito presente e muito próxima.
Alguém comentou que a minha sugestão 'imperiosa' para ir ver Quidam, o novo espectáculo do Cirque du Soleil é demasiado cara. Pois bem, a minha segunda sugestão do dia é um verdadeiro tesouro e só custa 1 euro e 40 cêntimos.
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