Segunda-feira, 22 de Novembro de 2010
Grande coragem, Francisco Guerra!

 

Ainda estou a digerir o que vi e ouvi na Grande Entrevista desta noite. De um lado da mesa Francisco Guerra, 25 anos, ex-aluno da Casa Pia vítima de abusos sexuais entre os 12 e os 16 anos, a dar um testemunho de grande coragem num tom sempre firme e tranquilo; do outro lado Judite de Sousa a fazer perguntas sem se deter na substância de algumas respostas, sempre num tom seco e duro. Confesso que esta dureza e esta secura me deixaram desconfortável e perplexa, até porque a Judite facilmente se desfaz em sorrisos com outros entrevistados (alguns deles, políticos). Estranho o registo inquisidor com que entrevistou o Francisco Guerra, sabendo o que ele passou na adolescência, o que terá sofrido na altura, e o que foi obrigado a calar durante anos, até sentir a coragem de dar a cara e assumir todo esse passado. A mim, o Francisco provoca-me admiração e ternura, mas também me interpela a níveis muito profundos quando fala de questões tão delicadas como o abandono, a ausência de uma família, os sentimentos que nutre por Carlos Silvino, o medo da solidão, as saudades dos 'irmãos', a tentativa de suicídio e até o uso assumido de fraldas na idade adulta.

 

 

Estranhamente a Judite de Sousa não agradeceu o elogio que o Francisco Guerra lhe fez em directo, nem pareceu particularmente impressionada com a coragem e a assurance com que o Francisco foi respondendo mesmo às perguntas mais difíceis. Algumas destas perguntas eram escusadas, devo dizer. Outras curiosamente ficaram por fazer. Também não percebi porquê. Não me faz sentido que a Judite aproveite uma primeira grande entrevista com o Francisco Guerra para perguntar coisas tão absurdas como : "Porquê a casa em Elvas?". Sem quebrar nem se revoltar, o Francisco deu a única resposta possível: "Não fui eu que escolhi, terá que perguntar a quem nos levava lá". Fez falta um olhar de compaixão de Judite de Sousa, uma pose menos gelada, um registo menos glacial. Raramente uso aqui o verbo 'detestar', mas desta vez não posso deixar de o usar: detestei as partes da entrevista que foram feitas em tom de interrogatório. A Judite de Sousa é jornalista, não é juíz. E é mãe.

 

 

Voltando ao Francisco e à sua extraordinária performance televisiva, dou-lhe os meus parabéns pela clareza discursiva, pela delicadeza com que falou (e calou), pela forma directa e inteligente como explicou o essencial e evoluiu num meio que não é o dele, pela ausência de agressividade mesmo quando do outro lado sentiu hostilidade, pela coragem incrível (insisto!) com que se apresenta e encara o mundo. Todos sabemos que ser vítima de abusos sexuais é um estigma para a vida inteira (para não falar das marcas e do sofrimento pela vida fora) mas o Francisco é a prova de que é possível assumir os factos sem perder a dignidade e sem perder o olhar limpo (triste, mas limpo). Fico a dever ao Francisco Guerra uma consciência ainda mais desperta para estas matérias, mas acima de tudo uma consciência mais aguda de que a verdade é que salva e constrói.

publicado por Laurinda Alves às 23:41
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31 comentários:
De Marcolino a 23 de Novembro de 2010 às 03:33
Querida Laurinda,
Vi esta entrevista, conduzida pela Drª. Judite de Sousa, pessoa por quem nutria grande consideração, mas, durante a entrevista, foi-se revelando personalidade maquiavélica, ao ter posto em prática, perguntas que lhe foram cirurgicamente encomendadas, uma delas, sintomática, «"Porquê a casa em Elvas?"»
Em fim, Drª. Judite de Sousa, um nome para abater na minha lista de preferências...!
Abraço
Marcolino
De Maria a 26 de Novembro de 2010 às 23:47
Tente colocar se no lugar desta entrevistadora, ninguém gostaria de estar a fazer este tipo de entrevista, principalmente uma mulher. Tem de fazer as perguntas previamente designadas a quem sabe de antemão que sofreu atrocidades imperdoaveis...das duas uma ou era fria como gelo ou certamente a entrevista jamais aconteceria ....é a minha opinião pessoal pois jamais conseguiria pensar em agradecer ou simplesmente pensar, é uma vida sofrida que estava diante desta profissional que tinha de ser completamente imparcial....deve ser pavoroso fazer este trabalho.
Repare no olhar dela na foto....mas nao pode passar para palavras o que sente então apenas repete as perguntas ....
De Zilda Cardoso a 23 de Novembro de 2010 às 08:14
fiquei tão admirada com a entrevista!... Não compreendi, não compreendi muitas coisas. Pouco vi da entrevista, de resto. Achei deprimente. E não compreendi a atitude da entrevistadora. Como não compreendo a atitude de muitos entrevistadores... Não era possível aguentar.
O cuidado devia ter sido enorme em relação a este entrevistado especial. Era preciso pensar muito bem, antes de assumir qualquer atitude. Será que pensou? É mais um motivo de espanto com tudo o que acontece na vida pública - devemos estar mesmo em ocasião de crise e esperemos que de mudança. "Ninguém sabe o que é bem..."
De Anónimo a 23 de Novembro de 2010 às 09:44
Nao concordo!! A Judite teve bem!
De Paula Amaral a 23 de Novembro de 2010 às 21:20
Tão estranho que o único comentário a apenas elogiar a Judite Sousa é de um anónimo. E o Francisco não esteve bem?
De Maria a 27 de Novembro de 2010 às 00:15
Esteve bem, na minha opinião é doloroso expressar uma opinião por um ser tão rico em personalidade, é um Homem como há poucos, assumiu enfrentou resolveu apareceu...é um situação tão deçicada que pqrq ser imparcial a d.judite não agradeceu nem fez um gesto pessoal mas basta olhar e ver a dor nos olhos, mulher engole o sofrimento e chora em casa, profissional pior. Deu a cara por muitos que sofrem uma dor que certamente jamais deixará de existir têm de aprender a viver e naõ esquecer. è me dificil opinar sobre tão esplendido ser pois doi me na alma saber que sofrem como ele sofreu e nada podemos fazer para o evitar...essa é a dor de quem os viu e ouviu a falar, a minha dor é nada poder fazer para resolver este mal. a pedofilia.
De MER a 23 de Novembro de 2010 às 09:52
Não assisti à entrevista feita pela Judite de Sousa ao Francisco Guerra, mas pelo que já li ...será que esta jornalista, como mãe que é...um dia avó, pensa que só acontecerá aos outros?!
« “dor silenciosa”, será o relato de um jovem sofrido, perseguido pela vida e pelos próprios fantasmas.
Fantasmas que jamais o tempo pode apagar em todas as crianças que já passaram pelo mesmo sofrimento, crianças que sofreram caladas, pois esses seres ignóbeis, usam a violência física e psíquica para controlarem as palavras que podem sair da boca desses pequenos seres assustados, é sim, uma dor silenciosa, que destrói; uma dor suja e que a água não lava; um cancro que corrói os sentimentos e a vontade de ser igual a outro qualquer ser, e essas crianças acabam por crescer, revoltadas, sentindo-se impuras.
O tempo vai passando. A vida pode tomar vários caminhos, mas a dor, as memórias, mesmo a dormir, elas acabam por voltar independentemente da idade.»
O que aqui escrevo, parte, foi retirada de alguém que assistiu à entrevista de ontem...que sofreu sevícias de um padrasto...então, são palavras muito sentidas e verdadeiras, por isso não quis alterar sentimentos verdadeiros de quem ainda hoje não esquece e sofre.
Se algo saiu benéfico desta tragédia, é que ao invés de se tornar numa pessoa insensível (como a jornalista em questão) é uma pessoa linda de sentimentos e de talentos para exprimir, quer através da escrita, quer através de poemas o que lhe vai na alma. Tornou-a atenta a tudo o que se passa ao seu redor e não apenas nas questões de pedofilia.«Não assisti à entrevista feita pela Judite de Sousa ao Francisco Guerra, mas pelo que já li ...será que esta jornalista, como mãe que é...um dia avó, pensa que só acontecerá aos outros?!
« “dor silenciosa”, será o relato de um jovem sofrido, perseguido pela vida e pelos próprios fantasmas.
Fantasmas que jamais o tempo pode apagar em todas as crianças que já passaram pelo mesmo sofrimento, crianças que sofreram caladas, pois esses seres ignóbeis, usam a violência física e psíquica para controlarem as palavras que podem sair da boca desses pequenos seres assustados, é sim, uma dor silenciosa, que destrói; uma dor suja e que a água não lava; um cancro que corrói os sentimentos e a vontade de ser igual a outro qualquer ser, e essas crianças acabam por crescer, revoltadas, sentindo-se impuras.
O tempo vai passando. A vida pode tomar vários caminhos, mas a dor, as memórias, mesmo a dormir, elas acabam por voltar independentemente da idade.»
O que aqui escrevo, parte, foi retirada de alguém que assistiu à entrevista de ontem...que sofreu sevícias de um padrasto...então, são palavras muito sentidas e verdadeiras, por isso não quis alterar sentimentos verdadeiros de quem ainda hoje não esquece e sofre.
Se algo saiu benéfico desta tragédia, é que ao invés de se tornar numa pessoa insensível (como a jornalista em questão) é uma pessoa linda de sentimentos e de talentos para exprimir, quer através da escrita, quer através de poemas o que lhe vai na alma. Tornou-a atenta a tudo o que se passa ao seu redor e não apenas nas questões de pedofilia.
Obgda. Laurinda,por ter trazido este tema e mais uma vez constatar a sua beleza interior.
Estejamos atentos a estes "monstros do sexo".
Abraço de serenidade.
Mer

De Serena a 23 de Novembro de 2010 às 10:16
Concordo plenamente consigo.
Achei esta entrevista tardia. Penso que só a fizeram devido às críticas que os telespectadores fizeram para o provedor acerca do protagonismo dado ao Carlos Cruz.
Parabéns pelo seu blogue.
S
De Fernanda Matias a 23 de Novembro de 2010 às 10:37
Querida Laurinda

Concordo em tudo com o que diz, sobre a entrevista de Francisco Guerra.
Judite de Sousa não merece a honra de o ter entrevistado. Que insensibilidade, que frieza e que técnica de entrevista tão inquisitória, que serve para outras personagens, mas nunca para uma pessoa que foi toda a vida maltrada, desamada e sózinha. Apesar disso aprendeu a elogiar e fê-lo a Judite de Sousa, que não aceitou e elogio vindo dele. Revoltante a postura de tal jornalista que, se leu o livro e percebesse do que está em causa, não se sentiria habilitada a convidar Francisco Guerra.
Apesar disso ele saiu a ganhar, embora eu acredite que lhe tenha custado muito estar ali, como tenho a certeza que se estivessem de " igual" para "igual, ele teria saído, deixando-a a falar sózinha, apesar de a entrevista não ter sido em directo, Mas mesmo sem público, se pode ser muito humilhado. Era o que merecia Judite de Sousa.

Um abraço

Fernanda Matias

De Raquel Martins a 23 de Novembro de 2010 às 10:42
Estou de acordo com o tom glaciar da entrevista, mas o jornalismo imparcial tende a confundir-se com esta percepção de insensibilidade e distância, próprias de quem não deve tomar partidos . Assim fosse a Judite de Sousa em todas as entrevistas que tem feito....quanto ao agradecimento, ficou-lhe mal não agradecer e simplesmente baixar a cabeça num tom de indiferença e falta de educação.
Vi um Francisco Guerra formatado, muito apoiado pela forma forte e corajosa como a Dr.ª Catalina Pestana tem afrontado os interesses instituídos e podres que minam esta história. A forma pausada e compassada do seu discurso fez-me lembrar a Dr.ª CP a falar. Jurei a mim própria que desde que PP foi recebido em apoteose na AR, depois da sua prisão preventiva, nunca mais votaria num partido político neste país. O meu voto será sempre em branco, por todos aqueles que deviam ter direito a uma família e não têm, por todos aqueles que acham que podem fazer mal a quem é mais frágil e saem impunes, por todos aqueles que neste momento, já deveriam estar na cadeia a cumprir pena pelo mal que fizerem a pessoas indefesas e não estão. Este processo é o reflexo do país viciado, podre e demente que temos. Lamento que todos nós estejamos a contribuir para uma Casa Pia, que não protege a suas crianças, mas que as instrumentaliza e as usa, sem consequências de maior. Viver num país sem justiça é sem dúvida um dos meus maiores recalcamentos.
De DyDa/Flordeliz a 23 de Novembro de 2010 às 10:56
Muitas vezes aqui entro e leio o que escreve. Nunca comentei. Hoje atrevo-me a fazê-lo.
O que aqui descreve é exactamente o que assisti, o que senti (sentimos) na forma como foi conduzido o interrogatório, como se houvesse ali alguém uma vez mais a ser julgado, desta vez, para um público ainda maior.
Na entrevista salva-se o entrevistado.
De forma simples (quase infantil) foi falando dele, de sentimentos, de carências, de dependências afectivas, de aproveitamentos e ainda da sua forma de encarar a desgraça com a resignação de quem aceita a sua sorte, pela má sorte de que outros a tivessem sentido no corpo e na alma antes também.
Não se viu uma mão estendida ao Francisco na hora de responder a assuntos íntimos e delicados em respostas tão constrangedoras. No entanto, sozinho conseguiu transmitir a sua mensagem sem perder coragem ou dignidade.
Ele sim ficou bem na entrevista.
De Maria a 23 de Novembro de 2010 às 11:48
Querida Laurinda
Também vi esta entrevista e ficou uma admiração profunda por aquele rapaz que vítima de uma vida duríssima ,não vislumbrei ali nenhum ódio por quem lhe desgraçou a vida , inclusive assumindo frente ás câmaras da televisão ainda hoje usar fraldas .
A Judite de Sousa ,não soube "dar a volta" para que não deixando de ser isenta demonstrasse não ser um robot , mas sim alguém com sentimentos .Que pena !
Aplaudo de pé o Francisco Guerra e aplaudo de pé Catalina Pestana , que nunca abandonou o barco estando sempre muito próxima deste e de outros .
Abraço amistoso .
concha

De Marta M a 23 de Novembro de 2010 às 12:15
Laurinda:
[Error: Irreparable invalid markup ('<br [...] <a>') in entry. Owner must fix manually. Raw contents below.]

Laurinda: <BR class=incorrect name="incorrect" <a>Ontem,apesar</A> de estar muito atarefada, fiz uma desmarcação profissional importante, porque queria muito ouvir e "ver" este jovem. <BR>E escutei com muita atenção tudo o que ouvi de ambos interlocutores, mas especialmente, confesso, o que disse o entrevistado. <BR>A jornalista, amiga pessoal de alguns dos condenados (já nesta fase, não arguidos) não tinha tarefa fácil. Mesmo não subscrevendo na totalidade o registo e o tom, reconheço-o também. <BR>Mas a situação daquele jovem era pesada e surpreendi-me com o seu registo sereno e contido. Para além da mágoa que já se poderia prever, mas que assim exposta, emociona e cria uma empatia que, também eu, não pude nem quero, contornar. <BR>Percebi a razão pela qual o seu testemunho foi tão valorizado neste processo. A sua forma firme e assertiva convence e dá uma sensação de veracidade em quem o escuta, e torna mais difícil por em causa o seu depoimento. <BR>Concordo que algumas questões oportunas ficaram por colocar e que outras eram absolutamente desnecessárias, caso da questão das fraldas...Nada acrescentaram à entrevista nesta referência concreta, bastava referir as sequelas inevitáveis dos abusos continuados sem precisar de o expor daquela forma. <BR>Agora usando palavras duras, acrescentaria ainda não "detestar", mas sim "odiar" a Mentira e a forma como nós, mesmo tecnicamente convencidos pela conclusão do julgamento, mesmo que o nosso coração tenda para o acolhimento e compreensão da situação deste e outros jovens assim, violentamente roubados na sua dignidade e futuro, por causa dela, continuamos cá dentro a murmurar: <BR>- Mas e se..?! <BR>Já vi negarem a verdade demasiadas vezes... <BR>E com a cara lavada, pelo menos à primeira impressão <BR>Gostaria de poder ter todas as certezas. <BR>Marta M

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