Quinta-feira, 11 de Novembro de 2010
Os passos que damos sem pensar que os estamos a dar

 

Observo os passos das pessoas na plataforma do Metro, à minha frente, e dou-me conta de que habitualmente nem eu nem os outros perdemos um segundo a pensar naqueles que estão impedidos de caminhar. Mais, nenhum de nós se apercebe do extraordinário que é andar livremente por onde nos apetece, sem termos problemas de locomoção.

 

 

Hoje estou mais centrada nesta questão porque é o dia em que vou apresentar o novo livro do Salvador Mendes de Almeida e vou estar rodeada de pessoas que se deslocam em cadeiras de rodas. Pessoas que vivem sentadas ou deitadas, mas nunca de pé e, acima de tudo, sem nunca poderem andar pelo seu próprio pé. Algumas destas pessoas tiveram acidentes na adolescência ou já na idade adulta e outras nasceram com handicaps que não lhes permitem deslocar-se sem ajudas.

 

 

Nós, os que não temos quaisquer problemas de mobilidade e facilmente andamos daqui para ali, chegando a todo o lado, não temos verdadeira consciência da quantidade de obstáculos e barreiras arquitectónicas que outros têm que enfrentar dia após dia, ano após ano. É impressionante ver como o mundo é hostil para quem tem handicaps físicos ou outros. E é admirável conhecer estas pessoas que lidam diariamente com a adversidade e não perdem a força, a coragem, o sentido de vida e até a alegria. O Salvador é uma destas pessoas, mas não é o único. Ao seu lado vão estar quase todos os protagonistas da sua série de televisão, mais um círculo alargado de amigos que o acompanham nas suas actividades. Esta imensa legião de gente mais ou menos anónima que se transcende todos os dias, todas as horas, é uma fonte de inspiração e devia ser um motor de transformação para todos e cada um de nós. É impossível ficarmos indiferentes aos seus testemunhos e é impossível não darmos ainda mais valor àquilo que damos como adquirido nas nossas vidas. Falo de coisas e gestos tão simples como os passos que damos sem pensar que os estamos a dar. E não só.

publicado por Laurinda Alves às 00:02
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5 comentários:
De João Nuno a 11 de Novembro de 2010 às 01:13
Adoro a sequência das imagens e a pertinência do tema, querida Laurida.
Com verdade e consciência.
Dediquei-me hoje um pouquinho à escrita. Partilho aqui, também para si, o texto que tem uns dois ou três minutos, antes de dormir.
beijinhos
João Nuno
**
A mãe abraça-o com a mesma garra de outros temos. E lembra-se das alturas em que lhe dava beijos sem fim, num rosto de pele macia que agora está coberto pelo tom castanho dos pêlos da barba que desfilam na face.
Raramente se vêem e, como se de um cordão umbilical presente ainda se tratasse, sentem-se unidos pelo amor forte e profano. Ele é filho. Ela é mãe.
Ele, de ideais vincados e de paradoxos de mestiçagem de vida, trilha caminho em vales e montanhas desse mundo fora. É livre e caminha solto, de uma forma desenfreada e sem esperar que o interior padeça de sentimentos maiores. Ela, quase na idade de partir e de dizer um adeus sentido à vida, foi mulher, esposa, mãe e avó. E tudo se transformou com a garra dos dias e com as oportunidades das conquistas. Altiva e maravilhosamente imponente, o seu rosto já não brilha da mesma forma. Os cabelos estão esgalhados e gastos pelo muito sol que a terra lhe consumiu.
Hoje, no dia em que ele regressou, pousou a mala bege à porta e chamou-a. Ela, com o coxear do costume e o sorriso maior que o seu presente oferece, abraçou-o numa despedida suplicante. Conversaram de tudo. Já não há tempo para o nada das palavras. Para os despejos insignificantes.
Ela, de idade avançada, cansa-se quando as palavras lhe saem em fila indiana da boca. Ele, mais novo, ajuda-a a compreender os dias. Amam-se.
À noite, com a luz acesa e com a janela à média paisagem, olham-se em silêncio. Compreendem o interior que abarca aquelas mentes.
Ele pensa que um dia já será tarde para a acompanhar mais. Ela, de lágrima a saltar do canto do olho, pensa como é possível amar-se de um modo tão desmedido e controlado. Ela sabe que sim. E sabe a resposta: ele é a sua cria; aquele a quem deu a vida sem precisar de usar artifícios de ilusões. Ele é seu. E sente-o como parte de si.
Um filho e uma mãe.
Ele continuará.
Ela deixará marcas. Mais tarde só presentes em pó. Daquele que dá vida, em almas protectoras.
Bem ao jeito do coração de uma mãe.
Como se de um anjo falássemos desde a primeira palavra.
De Patricia Flores a 11 de Novembro de 2010 às 08:51
Cara Laurinda,

Já fiz esse exercicio várias vezes e quanto mais olho à minha volta mais obstáculos vejo para quem anda numa cadeira de rodas.
Penso que muitas poucas vezes as construções são pensadas para essas pessoas.

Patricia
De inês a 11 de Novembro de 2010 às 16:24
Devia ser impossível a indiferença e eis que não é, que se sucedem casos de atropelo e desrespeito, de competição desenfreada onde os mais fracos têm tão pouca ajuda.
Partilho do que diz e do que sente, inteiramente.
Oxalá houvesse maneira de chegar ao coração de todos os que não pensam assim.
De Guida a 11 de Novembro de 2010 às 17:08
Laurinda nos ultimos dois anos apercebi-me tão bem destas barreiras, ao acompanhar um tio diabético com um problema no joelho que teve como desfecho (infelizmente) a amputação da perna. Apesar de não andar de cadeira de rodas (utiliza um andarilho e já colocou prótese entretanto), pude viver a experiência dos péssimos acessos a edificios publicos, inclusivamente vi o ridiculo da entrada de uma loja de produtos ortopédicos e próteses para amputados, ser através de escadas e sem uma rampa... Cada vez mais me convenço de que há mesmo uma grande falta de sensibilidade por parte da maioria das pessoas para estas condicionantes.
E lembro-me agora de tantas outras situações... Por exemplo, no continente de Aveiro, têm estacionamento para grávidas, famílias, e acompanhantes de crianças e idosos perto das entradas o que acho muito bem, mas por outro lado o sítio dos carrinhos do supermercado é muito longe. Quem deixa crianças pequenas no carro perde-lhes inclusivamente a visibilidade... Parabéns ao Salvador e parabéns a si.
De micaela a 11 de Novembro de 2010 às 21:35
sem duvida, somos felizes, sem o sabermos, temos tudo, quando temos saude, braços e pernas, olhos para nos levar aonde a nossa imaginação e vontade quiser....e muitas vezes desperdiçamos, e perdemo-nos no nosso egoismo.
temos que estar atentos ao mundo, saber olhar para os outros, e para dentro de nós...
completamente de acordo.

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